Atualmente os processos de fusão e aquisição de empresas são a maior razão para a substituição de marcas no mercado. São, por exemplo, os casos da marca Esso, que foi substituída pela Shell; da marca Banco Real, que foi substituída pela marca Banco Santander; da marca Bamerindus, que foi substituída pela marca HSBC, dentre diversos outros.
A substituição das marcas pode igualmente se dar por questões de redução de portfólio, na qual as empresas multinacionais abandonam as marcas nacionais e as substituem por aquelas utilizadas em seu país de origem, como aconteceu com as marcas Kri e Lollo, ambas da Nestlé, que foram substituídas no Brasil pelas marcas Crunch e Milkybar, respectivamente, para identificar os mesmos chocolates. A notoriedade e o valor agregado da marca adquirida, que pode conservar os referenciais de qualidade e prestígio, pode ainda resultar na associação entre as marcas.
Foi esse o destino da marca Colorama, adquirida pela multinacional francesa LOREAL. Tendo em vista a força da marca nacional no segmento de esmaltes, a LOREAL optou por associar a Colorama à sua marca Maybelline nos produtos vendidos no exterior, de modo que os esmaltes são atualmente comercializados sob a marca Maybelline Colorama.
Declarada a caducidade, há o risco de apropriação por terceiros
Os fenômenos da substituição e da associação envolvendo marcas famosas – neste último caso, formando uma marca nova – nos levam a questionar se as marcas antigas devem ser protegidas pelos seus novos titulares ou simplesmente abandonadas.
Isso porque, ainda que a substituição e associação das marcas devam ser feitas paulatinamente, permitindo que o consumidor se acostume com a nova marca como sendo a sucessora da antiga, o fato é que esta ainda possui grande valor no mercado.
Como exemplo podemos citar a marca Kolynos, que por determinação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), foi substituída pela marca Sorriso para identificar creme dental. Ainda que a primeira marca tenha deixado de ser usada em 1997, somente em 2003 a marca Sorriso superou a Kolynos como a mais lembrada para o referido produto, conforme apontou a pesquisa Top of Mind.
Com efeito, como consequência dos investimentos realizados ano após ano na consolidação das marcas famosas, estas permanecem no consciente do público consumidor e são capazes de transmitir valores como confiança e qualidade mesmo após deixarem de ser usadas. Assim, acreditamos que a proteção de tais marcas deve ser mantida mesmo que não estejam em uso.
Como então a marca famosa pode ser protegida mesmo após deixar de ser usada no mercado?
A Lei da Propriedade Industrial, que regula o registro de marcas no Brasil, não exige que seja demonstrado o uso da marca no ato do requerimento de sua prorrogação. Assim, mesmo que a marca objeto do registro não esteja em uso no país naquele momento, o requerimento da prorrogação no prazo legal, acompanhado do pagamento das respectivas taxas, é suficiente para que a marca tenha proteção por mais uma década.
A referida lei, no entanto, prevê o instituto da caducidade, isto é, caso a marca deixe de ser usada por um período igual ou maior que cinco anos, a caducidade da marca poderá ser declarada pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) mediante requerimento de terceiros interessados.
Diante do requerimento da caducidade do registro da marca, cabe ao titular demonstrar o seu uso para os produtos ou serviços cobertos pelo registro, ou justificar o seu desuso por razões legítimas. Uma vez declarada a caducidade da marca, esta estará livre para apropriação por terceiros.
É o caso da marca El Juego Del Million, cuja caducidade dos registros foi declarada administrativamente pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), tendo sido reconhecida pelo Superior TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ) a legitimidade da B.F. Utilidades Domésticas Ltda. e da TVSBT – Canal 4 de São Paulo em usar e registrar a marca Jogo Do Milhão.
É o caso também da tradicional marca Scala, para assinalar cosméticos, cuja caducidade foi declarada em decisão proferida pelo INPI e confirmada judicialmente por entender o STJ que a falta do uso da marca não se deu por razões legítimas.
Por outro lado, em consonância com o disposto na Convenção de Paris, a Lei de Propriedade Industrial prevê que a marca notoriamente conhecida em seu ramo de atividade merece proteção no território nacional mesmo que não esteja registrada no Brasil. A marca deve, no entanto, estar registrada em outro país signatário da mencionada convenção.
Por essa regra, o Brasil compromete-se a recusar ou invalidar registro de sinal que constitua imitação ou reprodução de marca notoriamente conhecida em seu ramo de atividade, ainda que a marca não esteja em uso no mercado naquele momento.
Vemos, assim, que a proteção das marcas famosas é possível, ainda que não estejam registradas e em uso no mercado naquele momento.
Essa proteção é imprescindível para que não haja a sua apropriação por terceiros, que se beneficiarão de anos e anos de investimentos realizados em sua construção e solidificação perante os consumidores.
Sheila Medeiros é advogada, sócia do escritório Daniel Advogados
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações
http://www.valor.com.br
Fonte: Valor Econômico
Comentários