Ao popularizar os tocadores de MP3 e aprofundar a experiência de ouvir sons individualmente, o iPod mudou a relação das pessoas com a música, segundo estudiosos e profissionais da área entrevistados pela Folha.
“O iPod ajudou a transformar uma cultura musical que era escassa em uma que é abundante”, afirma Aram Sinnreich, estudioso de música e tecnologia e professor da Universidade Rutgers, em Nova Jersey (EUA).
Ele se refere à facilidade que as pessoas têm para levar no bolso mais músicas do que podem consumir na vida, em contraste com a era dos vinis e dos cassetes, mídias analógicas muito mais limitadas fisicamente.
Em 2001, a capacidade de armazenar mil canções no iPod impressionava. E poder ouvi-las em qualquer ordem, independente de como foram lançadas e eliminando faixas indesejadas, mudou o conceito de álbum.
“Os artistas não estão mais tão presos a datas de lançamento. São livres para lançar as músicas quando elas ficam prontas”, diz Sinnreich. É como se a indústria tivesse voltado à era dos singles, como nos anos 1960.
MISTURA FINA
Ao misturar artistas e embaralhar a sequência de execução das músicas, o comando “shuffle” intensificou a “desconstrução” dos álbuns.
Para João Marcello Bôscoli, músico e presidente da Trama Entretenimento, o recurso é uma das grandes contribuições do iPod: “Antes, tínhamos que apertar o Rewind e o Fast Forward e esperar”.
“Com uma coleção gigante, o shuffle é uma boa maneira –por vezes a única– para tocar música que, do contrário, poderia não ser ouvida”, já escrevia Leander Kahney em 2005, no livro “The Cult of iPod” (O Culto ao iPod, em tradução livre).
Naquela época, 25% dos usuários de tocadores de MP3 já usavam o recurso “na maior parte do tempo”, segundo levantamento de Michael Bull, professor de mídia e cultura na Universidade de Sussex (Reino Unido).
ZUMBIS EM NY
O aparelho também alterou a relação das pessoas com o espaço ao seu redor.
“O iPod se tornou uma ferramenta de navegação da cidade. Ao colocar o fone de ouvido, é como se você estivesse ligando o aviso de ‘não perturbe’ para o mundo, como se passasse a ocupar um espaço diferente dos outros”, avalia Ronaldo Lemos, colunista daFolha.
Em 2004, um artigo no “New York Times” constatava que Manhattan havia sido tomada por “robôs com jeito de zumbi”, cujo sinal de que não são humanos são “dois fios brancos saindo das orelhas e entrando nas roupas”.
A maior capacidade de armazenamento fortaleceu essa experiência de isolamento, já iniciada em 1979 com o Walkman, da Sony, e mantida com os demais portáteis lançados posteriormente.
Se comparado ao avô, o iPod mexeu com mais gente: em dez anos, teve 314 milhões de unidades vendidas, contra 50 milhões do Walkman em sua primeira década.
POBREZA SONORA
“O único aspecto que considero negativo no iPod é a qualidade do que as pessoas ouvem. A compressão me incomoda muito, e as pessoas estão se acostumando com a falta de dinâmica”, afirma o produtor Kassin.
Ele se refere à eliminação de frequências para tornar os arquivos menores, algo muito comum nas músicas em MP3 –em geral, de qualidade inferior às faixas de CDs, por exemplo.
Fonte: Folha Online
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