A exposição dos impostos nas notas fiscais no País, aprovada na terça-feira pela Câmara depois de seis anos e meio de tramitação, deverá receber o aval da presidente Dilma Rousseff, na opinião de diversos especialistas. “Acho muito difícil o veto a uma matéria com ampla aprovação no Senado e que regulamenta um dispositivo constitucional“, disse o economista da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), Marcel Solimeo. O Projeto de Lei 1.472/2007 é resultado de uma ampla campanha pela conscientização tributária, liderada em 2006 pelo então presidente da ACSP e atual vice-governador de São Paulo, Guilherme Afif Domingos. Na época, ele levou 1,5 milhão de assinaturas em favor da discriminação dos impostos ao presidente do Senado, Renan Calheiros.

Pelo texto aprovado, os documentos fiscais emitidos nas vendas ao consumidor de mercadorias e serviços devem expor o valor aproximado correspondente ao total de tributos federais, estaduais e municipais, cuja incidência interfere na formação dos respectivos preços de venda. Serão nove tributos no total, no caso de produtos nacionais.

Renascimento – “É a maior revolução tributária. Estamos saindo da idade das trevas para o Renascimento“, disse o administrador de empresas e professor de pós-graduação da PUC de Minas Gerais, Roberto Dias Duarte. Ele lembra que a falta de transparência do sistema tributário é uma crítica recorrente. “O economista Mário Henrique Simonsen já dizia que, sem transparência, a democracia é uma farsa“, disse. Na opinião do especialista, a aprovação do projeto não vai resolver os problemas crônicos do sistema tributário brasileiro, mas é um passo importante. Ele acredita que a operacionalização da medida pelo comércio será simples, sem custos adicionais. “Não há a necessidade de indicação de cada tributo em separado. Apenas do total aproximado. Na prática, a maior parte das redes varejistas vai usar percentuais já calculados por várias entidades“, disse, citando o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), a Associação Brasileira de Supermercados (Abras), a Fundação Getúlio Vargas (FGV) e a Associação Paulista de Supermercados.

Para o consultor tributário da Crowe Horvath Brasil, Leandro Cossalter, como se trata de um projeto de iniciativa popular, é quase certo a sanção presidencial. “A sociedade requisita o detalhamento dos impostos. Se houver vetos, eles serão parciais, mantendo o coração do projeto“, analisou. Na sua opinião, o consumidor é o maior beneficiado pela medida porque desconhece a complexidade do sistema tributário. E quando tomar consciência dessa distorção, e também da carga tributária invisível que paga quando compra um produto ou serviço, poderá cobrar do governo uma contrapartida nos serviços públicos. Também ganha o comércio. “Como o consumidor não sabe que, em média, 35% do preço final dos produtos corresponde a impostos, muitas vezes culpa o comerciante por praticar preço abusivo“, disse.

Governo – O presidente do Conselho Federal de Contabilidade de São Paulo (CRC-SP), Luiz Fernando Nóbrega, também comemorou a aprovação do projeto conhecido como De Olho no Imposto. “A partir de agora, o consumidor passará a ter a noção exata do peso da carga tributária sobre cada produto e serviço que adquire. E a tendência é de que seja mais exigente na cobrança do governo por melhores serviços, principalmente na saúde e na educação“, afirmou, ao destacar que a discriminação dos impostos nas notas fiscais já ocorre em outros países, como os Estados Unidos.

Para o contador, não haverá dificuldade para inserir essas informações no sistema de emissão de notas fiscais oferecido atualmente pelo mercado. “O trabalho será maior para os profissionais da contabilidade, que terão a tarefa adicional para honrar mais essa exigência legal imposta às empresas. Será mais um desafio para a classe contábil.“

O relator do projeto, deputado Guilherme Campos, líder do PSD na Câmara, também está confiante na sanção da presidente Dilma. “É um projeto de interesse de toda a sociedade“, resumiu, ao lembrar que a sua aprovação foi possível graças à participação decisiva de todas as associações comerciais. O sócio da área de Tributos Indiretos e Aduaneiros da KPMG, Elson Bueno, aponta que a cultura do brasileiro de “quanto custa“ vai mudar depois que for implantada a discriminação de impostos na nota fiscal, devido à diferença entre custo e preço final. “Nos EUA, o consumidor já sabe que a geladeira custa 10 e o preço final é 12“, disse.

Mantega: Dilma não deve sancionar a lei

Ao contrário das expectativas de entidades empresariais e de economistas, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou em entrevista publicada na Folha de S. Paulo que há dificuldades para implantar a lei que obriga notas fiscais a discriminar quanto foi cobrado de tributos. No entender das palavras de Mantega, a presidente Dilma Rousseff poderá vetar o projeto aprovado no Congresso Nacional. Entre várias razões, ele apontou limitações técnicas para a implantação das medidas no País.

Segundo o ministro, não será possível incluir tributos que são cobrados a posteriori, como o Imposto de Renda. “Por exemplo, o Imposto de Renda que é cobrado sobre o resultado das operações das empresas. Como é que uma empresa vai colocar na nota fiscal o Imposto de Renda se ela só sabe isso… [depois]? Ela pode até nem pagar se não tiver lucro“, afirmou Mantega.

Para esse caso específico, o Executivo considera impossível incluir informações sobre o IR baseado no lucro presumido das empresas. “Existe um problema operacional também, pois nós acabamos de implementar a nota fiscal eletrônica e nós teremos que modificar todo o programa de nota fiscal eletrônica para incluir um novo item. Isso parece fácil, mas é uma dor de cabeça operacional“, argumentou. Por tudo isso, fica claro, na entrevista de Mantega, que há chances de veto ao texto aprovado. Mas técnicos da Fazenda ainda tentam formas de operacionalizar a medida.

Mantega afirmou ser favorável à transparência determinada pela lei. “Em princípio, eu sou a favor de a gente divulgar os tributos, mas levando em consideração essas ressalvas“, acrescentou.

Carga real – Segundo o presidente da Comissão de Direito Tributário da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) e professor da Universidade Mackenzie, Antonio Carlos Rodrigues do Amaral, o projeto de lei aprovado na Câmara e no Senado é algo infactível. “Não há como sequer imaginar a viabilidade de se concretizar a `aproximação` da carga tributária real de tributos tão díspares quanto ICMS, ISS, IPI, IOF, IR, CSLL, PIS, Cofins, Cide, cobrados sobre os regimes tributários mais diversos“, escreveu Amaral em artigo publicado na Folha de S. Paulo.

“O Congresso poderia, sim, simplificar o burocrático sistema tributário brasileiro. Dar transparência não é impor mais encargos e obrigações às empresas, mas contribuir para um sistema mais simples.“

Nos EUA, as taxas já são discriminadas

O consultor e palestrante Charles Holland disse que “o povo vai ficar pasmo com o volume de impostos nos produtos e serviços adquiridos“ se for sancionada a discriminação de impostos na nota fiscal pela presidente Dilma Rousseff.

Holland afirmou que uma das “caixas pretas“ do custo de impostos no Brasil é o combustível. “A imprensa noticiou há poucos dias que a Petrobras vende gasolina e diesel a R$ 1,2 e R$ 1,22, respectivamente. A diferença com os preços médios cobrados nos postos do Brasil, em torno de R$ 2,5 a R$ 2,9, são impostos – praticamente tudo. O remanescente é margem de lucro das distribuidoras.“

Para o consultor, a tributação sobre combustíveis no País é informação sigilosa na Petrobras e no governo federal. “Nos Estados Unidos todos os postos de gasolina divulgam claramente os impostos em todas as bombas (varia de estado para estado). Ficam fixas por muitos anos. Lá, o total de impostos federais e estaduais sobre gasolina, normal ou super, é em torno de R$ 0,23 por litro. Aqui deve estar girando em torno de R$ 1,20 por litro de gasolina comum (não incluindo os impostos de extração, royalties etc)“, disse o consultor Charles Holland.

O especialista acrescentou ainda: “Pelos meus cálculos, os impostos sobre combustíveis no Brasil são cinco a seis vezes maiores do que nos Estados Unidos.“

Fonte: Clube dos Contadores