A sociedade empresarial costuma ser comparada ao casamento: é difícil e trabalhosa, e não são raros os casos em que os maiores problemas de gestão estão justamente da falta de acordo entre os sócios. Quando os parceiros são casados, então, a tendência, aparentemente, seria de aumentarem os conflitos.

Na prática, no entanto, casos bem-sucedidos de empresas tocadas por casais afinados no negócio provam que, se houver disposição e empenho, o resultado pode superar em muito outros tipos de sociedade empresarial. “Não tem receita de bolo para a sociedade em casal dar certo”, define Luiz Felipe Campos, sócio de sua esposa, Bia Campos, na rede de fast food saudável Seletti. Mas, segundo ele, há ingredientes comuns: amadurecimento psicoemocional, transparência e, além de tudo, profissionalismo como parâmetros de atitude.

Segundo o empresário, ele e sua sócia costumam fazer avaliações semestrais sobre a interconexão trabalho/casamento. Até agora, o saldo é positivo: criada em 2005 a partir de um projeto comum ao casal, a rede Seletti já conta com 24 unidades em operação, faturamento de R$ 30 milhões em 2011 e perspectiva de fechar 2012 com 45 unidades.

“Quando há o respeito profissional, a sinergia e o envolvimento do casal no negócio só podem gerar bons frutos para o negócio”, acredita Marcel Magalhães, sócio de Érika Magalhães na UNS Idiomas.

Criada em 2003, a partir da insatisfação dos dois com o emprego que tinham, a UNS Idiomas foi planejada por Marcel e Érika por um período de seis meses.

Ele era na ocasião gerente de expansão de uma escola de inglês, e não via ali espaço para crescer. Ela fazia parte da equipe dele, e abraçou o sonho de Marcel, de ter um empreendimento próprio, e expandi-lo por meio de franquias.

“Enquanto Érika cuidava da unidade-modelo, testando processos e procedimentos, eu trabalhava no projeto de abertura de outras unidades, em outras regiões”, afirma ele.

Marcel Magalhães recorda que a primeira franqueada chegou apenas um ano depois de instalada a primeira unidade própria, no bairro dos Jardins, em São Paulo. Hoje, a rede fatura R$ 30 milhões, e tem 60 unidades.

Marcel acredita que o casal precisa entender claramente seu papel profissional. “Caso não haja clareza, a situação pode fugir ao controle”, diz ele, ressaltando que quando se trabalha com os mesmos objetivos, o trabalho não é um peso mas sim uma grande recompensa para ser usufruída em conjunto.

Ellen Pires, sócia de seu marido, Ventura Gonçalves, na P&G Advogados também acredita que os resultados compensam o esforço para superar os desafios que o casal enfrenta em sociedades empresariais. “Não é tarefa simples, mas o negócio fica mais sólido quando há o alinhamento dos dois em torno da empresa.”

O autocontrole e a certeza de dar prioridade para o lado profissional já estavam presentes desde o início da empresa, quando eram apenas namorados. “Ficamos dois anos nos relacionando afetivamente sem que a equipe que trabalhava com a gente soubesse”, conta Ellen.

Hoje, a P&G tem 16 anos, mais de 100 funcionários, entre eles 50 advogados. Conquistou o certificado ISO 9001:2008, e atua em diversos ramos do direito, tanto consultivo como em contencioso, envolvendo desapropriações, causas trabalhistas, entre outros. Ellen se responsabiliza pela diretoria jurídica e Ventura pela administrativo-financeira.

A diretora jurídica credita grande parte do sucesso à estrutura organizacional profissionalizada, que dá ênfase ao desenvolvimento de lideranças e decisões compartilhadas. “Os profissionais que trabalham com a gente sabem que não há ‘decisões a portas fechadas’, diz. Em relação à contaminação do trabalho na vida pessoal, ela acha inevitável. “Temos paixão pelo que fazemos, e compartilhamos isso um com o outro, também em momentos pessoais”, conta.

Para Carla Sarni e Cléber Soares, sócios da Sorridents, rede de serviços odontológicos, com 185 unidades espalhadas pelo Brasil, a conscientização sobre a necessidade de separar as dimensões pessoal e profissional foi um processo gradativo. “No início da empresa, levávamos os problemas para casa, respirando a empresa 100% do tempo”, conta Carla.

A empresa foi criada em 1995, e o casamento dos sócios aconteceu em 2001. “Quando nos conhecemos, a empresa era apenas um consultório no andar superior de uma padaria”, diz a hoje presidente da Sorridents.

Cleber não era dentista formado, mas decidiu-se pela carreira para entender melhor do negócio e, quando se formou, a clínica já tinha 19 unidades. Hoje, Cléber é vice-presidente de operações, e a empresa conta com outros cinco diretores.

As personalidades complementares ajudaram na consolidação da gestão, acredita a presidente da Sorridents, que faturou R$ 148 milhões no ano passado. “Eu sou ligada no 220, e ele é mais tranquilo”, diz, ressaltando que seu amadurecimento passou por amenizar seu perfil centralizador, com a ajuda de cursos de gestão e de coaching.

Em casa, um controla o outro para que não haja contaminação dos problemas profissionais na vida pessoal. “Fora do trabalho, buscamos falar de outras agendas que temos em comum, como a educação dos filhos”, afirma ela.


Definição clara de papéis evita conflitos de decisão

O casal Wagner Teixeira e Renata Bernhoef, sócios no controle da Höft-Bernhoeft & Teixeira, especializada em gestão familiar, tem uma dupla função na empresa, criada há 35 anos.

De um lado da moeda estão os desafios do dia a dia da consultoria, na qual Renata é sócia líder de conteúdo e Wagner o sócio diretor. Do outro lado está a necessidade de servir de exemplo para clientes e funcionários, mostrando que as fórmulas prescritas para o sucesso da gestão familiar são eficazes.

“Não é um caminho natural o êxito de um casal na gestão, é preciso trabalhar de forma consciente para contornar as questões que são decorrentes desse modelo”, analisa Renata, que é filha do fundador da empresa, Renato Bernhoeft, hoje distante da operação. Entre os clientes da consultoria estão empresas como Algar, Marcopolo e Gerdau.

Segundo ela, há o perigo de os funcionários perceberem a gestão como de uma pessoa só, e isso pode inibir o diálogo na prática. “A saída é um empenho ainda maior para criar práticas para promover a abertura”, diz.

Wagner reforça esse ponto, adiantando que é necessário “parar para refletir, sempre”. “O que mais prejudica o trabalho é achar que nada nunca abalará o núcleo da gestão”, argumenta. Como consultores, Wagner e Renata indicam que é necessário ter clareza e definir os limites entre o relacionamento profissional e o pessoal.

“É preciso haver abertura entre o casal para falar honesta e francamente, além da definição do papel de cada na gestão da empresa”, afirma Wagner.

Renata acredita que o casal precisa desenhar com clareza a composição dos papéis de cada um em três aspectos: o familiar, em relação ao patrimônio e em relação à gestão propriamente.

Ela exemplifica de uma maneira pragmática: “Na família, somos um casal, com as características próprias a um casal; em relação ao patrimônio, somos sócios em igualdade de condições; e em relação à gestão, Wagner é hierarquicamente superior a mim, por decisão baseada em critérios profissionais”.

O casal admite que não é fácil conseguir o equilíbrio necessário. As pessoas precisam saber lidar com o ciúme, profissional e pessoal, desenvolver o autoconhecimento e ter grande disposição para a empreitada. Valem diversos instrumentos para chegar lá: terapia individual, de casal, consultoria em gestão – caminhos não só desenvolvidos junto a seus clientes como também trilhados por eles.

A boa notícia nesse caso é que o gerenciamento do que poderia ser considerada uma fragilidade em geral traz resultados extremamente satisfatórios, uma vez que o alinhamento de objetivos, afinidade na linguagem e nos valores, e conhecimento da dinâmica de trabalho de cada um podem traduzir-se em muita solidez e prosperidade para os negócios. (CLT)

Fonte: Valor Econômico, Por : Carmen Lígia Torres